terça-feira, 15 de março de 2011

Comissão de Direitos Humanos da Assembleia realiza audiência pública sobre refugiados haitianos

Às 9 horas desta sexta-feira, 11, na sala das sessões da câmara de vereadores de Brasileia, foi realizada uma audiência pública promovida pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa para tratar da questão dos haitianos que recentemente imigraram para o Acre.

Com a presença de sete parlamentares estaduais, a reunião foi aberta pelo deputado Walter Prado (PDT), presidente da Comissão, que agradeceu pela presença das autoridades e representantes de instituições. Prado também saudou os haitianos, que compareceram em número de aproximadamente 50 e lotaram a sala de sessões do legislativo municipal, juntamente com vários integrantes do Comitê de Solidariedade aos Haitianos.

Após definir a forma como seriam conduzidos os trabalhos, Prado chamou o primeiro representante dos haitianos, Elanet Desilus, 29, que agradeceu pela oportunidade e apoio que seus compatriotas vêm recebendo da prefeitura de Brasileia, do governo do Estado e de todos que os estão ajudando. “Agradecemos ao povo brasileiro pela acolhida e pelo apoio. O Brasil é o único país que está nos recebendo. Viemos para cá em busca de melhores condições de vida, desejamos obter os documentos necessários para podermos trabalhar e ajudar nossos familiares”, frisou.

Em seguida falou o padre Crispim, pároco da comunidade católica local, que avaliou como importante a presença de várias autoridades na audiência. “Que bom termos tantas autoridades para partilhar este momento. Quando os haitianos chegaram ao nosso país percebemos a fragilidade dessas pessoas que foram discriminadas em outros países”, afirmou.

Segundo o padre, o trabalho da igreja católica foi simples, mas realizado com carinho e muita dedicação. “Ao percebermos a fome que essas pessoas estavam passando disponibilizamos a cozinha da igreja. O cônsul do Haiti em São Paulo agradeceu pelo apoio, atenção e o trabalho que estamos realizando aqui no Acre”, comentou.

Após agradecer pela cessão do espaço por parte da câmara de vereadores, o presidente da Comissão de Direitos Humanos convidou a prefeita de Brasileia, Leila Galvão (PT), que vem disponibilizando uma série de recursos para atender as demandas dos haitianos em solo acriano.

A prefeita parabenizou a iniciativa da Assembleia de se envolver na questão e promover a audiência pública para discutir o assunto. “Trata-se de uma questão humanitária atender e apoiar essas pessoas, mesmo que as necessidades delas ultrapassem as nossas possibilidades”, afirmou.

Leila Galvão aproveitou a oportunidade para agradecer ao governo estadual pelo apoio que a prefeitura vem recebendo, pois a responsabilidade no caso não é apenas do município, mas do Estado e do país. “O nosso município está ajudando dentro de suas possibilidades, mas precisamos de um apoio maior para podermos fazer mais”, ressaltou.

A diáspora haitiana, como está sendo considerado o movimento migratório das pessoas daquele país, foi motivada pelo terremoto que devastou o Haiti em janeiro de 2010.

Embora o status de refugiado, segundo os tratados internacionais e a legislação brasileira, só seja dado a quem for obrigado a deixar seu país de origem por perseguição política ou violação maciça de direitos humanos, o que não é o caso dos imigrantes haitianos, o grupo está recebendo tratamento de refugiados.

Para o defensor público Valdir Perazzo, que esteve na audiência pública, os haitianos podem ser considerados refugiados mesmo não estando sob a condição de perseguição política ou violação de direitos humanos. “A Defensoria Pública do Estado do Acre é uma guardiã dos direitos humanos e da Constituição brasileira, que defende a dignidade da pessoa humana e uma sociedade solidária, onde possa ser promovido o bem de todos. Portanto, essas pessoas vítimas de uma grande catástrofe natural perderam a condição de viver dignamente em seu país e estão buscando isso no Brasil que lhes concedeu refúgio humanitário”, destacou.

De acordo com Perazzo, a Lei 9.474, de 22/07/1997, que define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, em seu Art. 6º garante aos considerados refugiados o direito à cédula de identidade comprobatória de sua condição jurídica, carteira de trabalho e documento de viagem, mesmo que tenham ingressado de forma irregular em nosso país.

O procurador federal Ricardo Gralha afirmou que o Ministério Público Federal está muito preocupado com a situação dos haitianos no Brasil. Segundo ele, é necessário celeridade em alguns procedimentos para que eles tenham seus direitos reconhecidos e possam retomar o curso norma de suas vidas, mesmo fora do país de origem. “A condição de solicitante de refúgio já assegura a eles o direito à documentação e o acesso à saúde e educação públicas e ao trabalho.

Gralha destacou durante a audiência o trabalho da Polícia Federal, que está supervisionando o ingresso dos haitianos em solo brasileiro e é quem providencia o visto de entrada. Ainda segundo o procurador é preciso buscar as instituições afins ao caso para que toda assistência possível seja prestada aos refugiados.

Ao final de sua fala, parabenizou as instituições que vêm ajudando os haitianos e encararam a situação não como um problema, mas como um desafio. “O Brasil é um país de imigrantes e como tal está acostumado com as diferenças. Essas pessoas foram discriminadas em outros países, mas estão recebendo apoio aqui. Além disso, o Brasil é um país com forte presença no Haiti”, declarou.

O deputado Astério Moreira (PRP) parabenizou a prefeita Leila Galvão pela assistência que o município de Brasileia vem dando aos refugiados e afirmou que é preciso tratar a questão de forma fria, mas tendo a sensibilidade para entender os problemas que o caso apresenta. “Há cerca de um mês encontrei com a prefeita Leila no gabinete do governador e ela já estava tratando desta situação. A situação é grave e preocupante, por isso devemos desenvolver uma política real de Direitos Humanos e não apenas termos discurso”, frisou.

Trata-se de uma reunião histórica, que tem como objetivo principal a solidariedade. Com estas palavras o deputado Jamyl Asfury (DEM) definiu o encontro. “Represento uma instituição pública, a Polícia Federal, que tem íntima relação com esta questão”, destacou.

De acordo com o parlamentar todos estão sensibilizados com a situação dos refugiados, mas há uma questão: a vontade de querer ajudar e a forma de como fazer isso. Precisamos de um ambiente em que a valorização ou o prejuízo político não sejam os temas principais, apenas a ajuda a essas pessoas. Temos informações que muitos deles têm formação profissional como médicos, advogados etc. Seria importante para eles que fossem o mais rapidamente possível inseridos no mercado de trabalho”, ressaltou.

Para o deputado Manoel Moraes (PSB) as questões principais neste momento envolvem dizem respeito à expedição dos documentos e a estadia e alimentação dos haitianos. “A situação de alojamento dessas pessoas no ginásio aqui de Brasileia é precária e nos preocupa, pois a prefeitura não tem recursos suficientes para suportar essa situação”, enfatizou.

Elanet Desilus foi o primeiro haitiano a falar, representando os demais presentes na audiência. Mesmo com o impedimento do idioma, falando em espanhol ele destacou que eles buscam no Brasil somente melhores condições de vida. “Queremos apenas trabalhar e viver dignamente para podermos ajudar nossas famílias. Queremos andar na lei, fazer as coisas direito, viver de forma correta e termos nossos direitos”, frisou.

É um momento muito importante porque estamos ouvindo um pedido de socorro. Estou feliz ao ver que as instituições competentes estão tratando a questão com a importância que ela merece. Ao fazer essa afirmação o deputado Éber Machado (PSDC) iniciou sua fala durante a audiência.

Para ele a ajuda que está sendo dada aos refugiados é uma mostra da solidariedade do povo acriano e brasileiro. “Somos um povo com um coração solidário e uma das provas disso é a ajuda que o Brasil vem dando ao Haiti por meio das missões militares naquele país. Homens e mulheres que foram exemplo para nossa nação e para o mundo morreram no Haiti trabalhando em benefício dessas pessoas”, destacou.

Ainda de acordo com o parlamentar é necessário que a Comissão da Aleac discuta com outras entidades a possibilidade de captação de recursos internacionais para ajudar os refugiados.

A deputada Marileide Serafim (PMN) afirmou que ficou tranquila com os esclarecimentos jurídicos feitos pelo procurador federal Ricardo Gralha sobre a situação. “As explicações feitas pelo procurador do Ministério Público Federal nos esclareceram muita coisa, pois trata-se de uma questão muito delicada”, comentou.

Segundo a parlamentar a situação não é apenas de responsabilidade do Estado do Acre, mas do Brasil. Fazendo essa afirmação Serafim destacou a solidariedade do brasileiro. “Temos muitas desigualdades, mas somos um povo que sabe distribuir solidariedade. É necessário dar cidadania a essas pessoas. Há mulheres grávidas entre eles e seus filhos podem nascer no Brasil”, ressaltou.

O deputado Wherles Rocha (PSDB), ao iniciar suas considerações durante a reunião, declarou que estava feliz em participar de uma legislatura que se preocupa tanto com os direitos humanos e que está atuante em relação á questão envolvendo os refugiados haitianos.

“Acompanho a luta do povo haitiano e a vinda deles para o Acre. Não é fácil largar nossa pátria e ir para outro país. Eu, por exemplo, não consigo me imaginar vivendo em outro local que não o Brasil”, enfatizou.

Para Rocha, os haitianos buscam apenas o direito à vida, à dignidade. Em relação a essa questão a Assembleia do Acre deu um passo gigantesco como representante do povo e dos direitos humanos, considerou o parlamentar.

O promotor de Justiça Teotônio Rodrigues frisou que o Ministério Público Estadual está preocupado com a situação dos refugiados porque a prefeitura do município na tem condições de dar o suporte necessário a eles. “A prefeitura vem fazendo o que pode, no entanto não é o suficiente”, declarou.

Rodrigues também manifestou preocupação com o fato dos haitianos se encontrarem numa região de fronteira, ficando expostos a vários problemas como o tráfico de drogas. “Por ser uma região de fronteira, esta localidade merece uma atenção especial, principalmente das autoridades do setor de segurança”, afirmou.

Em seguida foi a vez dos integrantes do Comitê de Solidariedade aos Haitianos. A primeira a falar foi Maria da Luz que externou suas preocupações em relação á situação dos refugiados. “Venho acompanhando a chegada dessas pessoas desde dezembro do ano passado e temos nos preocupado com várias questões, principalmente com as mulheres grávidas”, afirmou.

Maria da Luz está dando aulas de Português aos haitianos para que eles consigam se adaptar melhor à cultura e aos costumes e possam se comunicar de forma satisfatória no Brasil.

Depois falou Roger Zabala, um refugiado boliviano, natural de Cobija, capital do Departamento de Pando, cidade vizinha a Brasileia. Ele vem dando aulas de Espanhol e parabenizou a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia pela realização da audiência pública. “Há algum tempo atrás eu estava na mesma situação dessas pessoas vindas do Haiti. Vivo perto do meu país, tão próximo, mas não posso voltar para lá”, destacou.

Zabala afirmou que como também é um refugiado se identificou com os haitianos e começou ajudando o padre Crispim com tradutor. Ele considera que Brasileia e Epitaciolândia vêm ajudando, mas não é o suficiente.

Antonio Rocha também parabenizou os deputados e as outras autoridades pela iniciativa da audiência pública e falou sobre o trabalho do Comitê. Ele disse que para entender a situação dos haitianos é necessário compreender o contexto no qual eles vivem em seu país. ”Precisamos garantir a dignidade a essas pessoas, precisamos que elas ocupem postos de trabalho condizentes com a sua formação profissional. Eles podem nos ajudar no processo de construção de desenvolvimento do nosso país”, ressaltou.

Jocivam Santos, finalizando a fala dos componentes do Comitê, destacou a necessidade de mais ajuda aos refugiados e ratificou o que disseram os outros voluntários que trabalham com ele ajudando os haitianos.

Sonique Lapoint, presidente da Associação dos Haitianos, fez alguns questionamentos durante a reunião. Ele questionou o fato de sendo refugiados ainda não terem direitos como um cidadão. Lapoint também falou sobre a discriminação imposta pelas fronteiras. “Se os haitianos são americanos, porque existem as fronteiras, porque elas nos impedem”, indagou.

Ele também mencionou os haitianos que foram para o Estado de Rondônia e falou aos presentes que estavam preocupados, querendo saber qual era a situação deles naquela região.

Wilfrid Dieufort afirmou durante a sua fala que eles enfrentam muitas dificuldades, e uma delas é o idioma. Ele disse que a maioria eles não entendem o Português e isso dificulta ainda mais as coisas.

A única mulher haitiana a se pronunciar foi Madeline Voltaire. Ela reafirmou a todos que precisavam de toda a ajuda possível. “Precisamos dos documentos para que possamos trabalhar. Trabalhando poderemos ajudar nossos familiares que ainda estão no Haiti sem uma perspectiva de vida”, afirmou.
Cinco vereadores de Brasileia acompanharam a audiência pública: Antonio Francisco (PT), Raimundo Lacerda (PCdoB), Everaldo Gomes (PMDB), Jonas Bandeira (PSDB) e Carlos Armando (PSDB), presidente da Câmara.

O vereador Lacerda falou do aspecto social da questão envolvendo os haitianos e destacou que a prefeitura local não tinha condições de atender a essa demanda.

Representando a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado, Hildo Montezuma fez alguns esclarecimentos sobre a situação dos refugiados no Acre, especialmente sobre os haitianos.

Ele declarou que houve alguns problemas com a chegada dos refugiados porque eles chegaram no período de transição do governo estadual e um grupo grande de pessoas de uma vez só. Como o Estado não estava preparado para esse fluxo migratório, vários problemas ocorreram, desde a acomodação dos haitianos, passando pela alimentação até a expedição dos vistos de entrada por parte da Polícia Federal, que também, segundo ele, não estava preparada para essa situação. “Naquele primeiro momento, como ainda não havia sido votada a reforma administrativa do Executivo, a Secretaria de Direitos Humanos não possuía estrutura e orçamento adequados para atender essas pessoas. Mas, mesmo com todas as dificuldades fizemos o que foi possível e tentamos atendê-los da melhor forma”, destacou.

Em relação à ida de alguns haitianos para Rondônia, Montezuma afirmou que foram deslocados para o estado vizinho os refugiados que conseguiram a documentação necessária para trabalhar e manifestaram interesse em ir para lá.

Ele comunicou a todos que atualmente o Estado presta assistência a 600 refugiados de várias nacionalidades: colombianos, bolivianos, paquistaneses, pessoas de Mianmar, nigerianos e agora os haitianos. “Atendemos essas pessoas realizando um trabalho em parceria com algumas entidades buscando dar-lhes uma vida normal, inclusive procurando inseri-las no mercado de trabalho”, enfatizou.

Ao final da audiência, o deputado Walter Prado comunicou que será elaborado um relatório que será enviado para Brasília, endereçado ao Ministério da Justiça, à Comissão Nacional de Direitos Humanos, ao Ministério das Relações Exteriores, à Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal e a todas as instituições que puderem ajudar nessa questão.

Ele também comunicou que no dia 14 deste mês será realizada uma reunião no Ministério Público do Trabalho, em Rio Branco, com o procurador Tiago de Oliveira, onde será discutida a questão da legalização, concessão de visto de permanência e trabalho aos haitianos que se encontram no Acre.

Paulo Luiz
Fotos: J. Simão
Agência Aleac

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